quinta-feira, 18 de maio de 2006

A minha Escolinha

Estava eu a escrever um comentário no blog da Sophia a propósito da insegurança nas escolas, quando resolvi escrever eu mesma qualquer coisinha sobre o assunto (mesmo depois de ter dito que não o faria).
Talvez em estilo romanceado. Quem sabe não estará aqui um tema para o livro que eu sempre disse que iria escrever.

Quinta-feira à tarde. Mais um dia de trabalho quase a terminar e eu desejoso de ir para casa ter com a minha filha a pilhas de longa duração. Consegue ser um anjo comparado com o que tenho que aturar aqui na escola todos os dias. Desculpem-me os mais puritanos e defensores das criancinhas indefesas, mas é assim que o sinto. Aturar é a palavra certa. Hoje o dia correu-me mais ou menos, igual a tantos outros, com as dificuldades de uma profissão desgastada por todos. Como me disse outro dia uma colega, o povinho e a classe politica acha que somos uma classe a abater. Quase ao nível do Saddam Hussein.
Jogo à bola no campo com um grupo de crianças, enquanto tento que as malditas horas do bendito prolongamento que a Srª Ministra nos impingiu passem rapidamente. Um aluno resolve armar-se aos cucos e desafia a minha autoridade. Repreendo-o, e ele insiste. É normal. Imponho a minha autoridade como professor, tarefa adamastónica nos dias de hoje. Ele sai disparado, ameaçando ir chamar a família. Na minha inocência e boa fé, continuo a jogar.
Olho para o lado. O aluno vem com a avó. Oiço de tudo um pouco. Toda a espécie de injúrias e calúnias. Não têm grande escolaridade, mas são muito fluentes no que toca a calão. Acho que devem ter guardado parte dos subsídios que recebem do Estado, para comprarem um dicionário de calão. São licenciados.Quando penso que chegou ao fim, vão chamar o pai. Torno a ouvir uma segunda ronda de insultos. Ameaçam a minha integridade fisica. Chamo a polícia. A situação resolve-se naquele momento.

Estou quase no meu limite. Sinto-me humilhado. Terá sido para isto que eu estudei e me preparei?
A escola parece um circo de feras. As colegas estão atarantadas com os acontecimentos.
Não consigo dormir. Penso e repenso na minha condição de professor. Uma profissão de risco. Sem dúvida.

Inicia mais uma semana de trabalho. Hoje entro ás nove da manhã e vou sair ás sete e meia da noite. Tenho Conselho de Docentes a seguir à jorna. Cerca de dez horas de trabalho.
Estou mais calmo. Começo a encaixar os acontecimentos e a tomar decisões sobre o que fazer acerca do assunto.
Descanso um bocadinho na sala de professores. Burburinho lá fora. Um aluno agrediu uma estagiária. Fugiu. Ela chora e é consolada por uma professora. O tema de conversa volta ser a violência nas escolas. Fechamos a porta, e dá-se inicio à reunião. A minha mente vagueia. Não me apetece ouvir. Nada daquilo me faz sentido, planos de recuperação, planos de desenvolvimento. Meu Deus, o que é que estou aqui a fazer?
Gritos lá fora. Saímos a correr. Deparo-me com um espectáculo surrealista. Um filme de terror digno de um Oscar de Hollywood. Duas imponentes matronas, pontapeiam a pobre da estagiária estendida no chão. Desenganem-se aqueles que pensam que a cena se passou na rua. Estamos em pleno polivalente, dentro da escola. As crianças que por ali passam, olham estupefactas. As ditas (matronas) largam a presa, mas continuam a gritar em bons pulmões para quem as quiser ouvir. Com um fôlego daqueles não são fumadoras concerteza. Ameaçam tudo e todos. Não têm medo. Cresceram na selva.
A história repete-se. Polícia. Bombeiros. Ambulância.

Neste momento a minha escola mais parece um centro prisional. Onde os bons estão dentro e os maus fora. Portas fechadas à chave. A campainha toca. Olho desconfiado pela janela. Sente-se medo e incerteza no ar. Não se pode saber se eles viram o "Columbine". O rastilho foi aceso. E nós estamos sentados em cima do barril da pólvora.


Todos os personagens e situações, não são ficcionais. Apresento-vos a minha Escolinha!

4 comentários:

sofia disse...

Eu não faria um relato melhor. Antes fosse uma obra de ficção...

sofia disse...

Sabes, eu penso muito sobre as coisas e eu acho que os nossos governentes, mais precisamente a ministra da educação, têm responsabilidade directa sobre o que se passou na nossa escola nestes últimos dias. Uma campanha de descredibilização para com os profissionais da educação, levam numa situação extrema a este tipo de comportamentos. A sociedade vê-nos quase como um alvo a abater pois somos os que não querem trabalhar e querem é gozar os seus 3 meses de férias anuais. Eu sinto-o cada vez mais nas conversas com amigos que "a brincar" vão dizendo o que pensam. E é gente formada, quanto mais os encarregados de educação com que lidamos na nossa escolinha

Anónimo disse...

Realmente é impressionante! :s

Outubro Vermelho disse...

Sim, sem duvida. Bom retrato. Pelo menos, esclarecedor. As sociedades modernas padecem de um mal comum: Protecção. E protecção às crianças. Temos protegido demais as nossas crianças, não lhes incutimos expectativas mais altas. Ficamos felizes se os virmos a passar "à rasquinha", e se terminam o 9º ano. Temos uma cultura de educação facilitadora e comodista. Porque não há-de um professor "corrigir" um aluno imediatamente, na sala de aula? São os professores que têm a mior responsabilidade na educação das nossas crianças, e não as familias, com quem passam 10% do seu tempo. Se pensarmos que dessas familias, 80 a 90% são os "licenciados" em calão, prevê-se com facilidade os futuros pais...